Hoje é dia de escrever crônica bizarra, de estourar os caracteres, de errar na concordância, usar gíria e dar a louca, hoje é dia de maldade. Hoje é segunda-feira. Dia de comprar briga no jornal, de usar palavra comprida só para zoar a diagramação, de perder a compostura em fonte com serifa, de travar o LibreOffice e reiniciar o computador no botão.
Hoje é dia de fazer mesóclise logo no início do texto, de apavorar no dicionário de sinônimo, usar “sequer” sem a partícula de negação, separar sujeito de predicado, confundir adjetivo com advérbio, exagerar no ponto e vírgula, abraçar a privada e vomitar crase enquanto a polícia bate à porta de madrugada com um dicionário prático de regência nominal. Hoje é dia de usar trema.
Hoje é dia de escrever crônica sobre a infância, de falar sobre falta de assunto, de compor um parágrafo muito brega, de errar feio na metáfora, de fazer menção a um filme que ninguém viu e de achar graça em besteira. Dia de relembrar um episódio muito louco que aconteceu com você no passado e então descobrir que não foi com você, foi com o Sting nos anos 1970 e estava num livro que você revisou. Hoje é dia de bagunçar o cabelo de um jornal centenário, de comprometer a reputação falando de assunto polêmico, de ser processada em todas as instâncias na Comarca de Belo Horizonte e emoldurar cartinha malcriada de leitor perguntando se você comeu cocô.
É dia de escrever de economia no caderno de cultura, de servir a interesses escusos, de fazer o jogo da direita, de incorrer em calúnia, injúria, difamação, de incorrer em todo tipo de contravenção contra o acordo ortográfico e perder o MTb por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal. Hoje é dia de usar Arial Black tamanho 18 cor fúcsia e enviar arquivo com terminação .odt só pela farra, dia de mandar indireta para a revisora e de mudar de assunto no meio do texto só para ver se tem alguém lendo.
Hoje é dia de escrever imitando o Rubem Braga, dia de comer sujeira de umbigo para ver se dá inspiração, dia de sair na rua e arrumar confusão só para ter assunto, depois voltar para casa com umas manchas roxas e uma ordem de restrição, ou um vídeo que você não se lembra de ter gravado, ou uma tartaruga a mais no aquário, hoje é dia de loucura.
É dia de escrever crônica bizarra e figurar ao mesmo tempo nas seções Errata, Horóscopo, São Paulo Reclama, Fórum dos Leitores e Obituário. É dia de ser citada nominalmente em um escândalo de proporções diplomáticas e alegar que tem um álibi. Dia de acionar a Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB e passar a noite na porta da delegacia comendo azeitona e capturando Pokémon, enquanto coleta informações desencontradas e aguarda o Suplicy chegar.
Hoje é segunda-feira. Dia de maldade.
(Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 12 de setembro de 2016.)
Hoje é o dia em que decidimos enviar crônicas aleatórias, de vez em quando, só para causar balbúrdia em suas caixas postais.
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Pô, já joguei muita bola na quadra desse grande aviso.
eita que é hoje demais