#094 - São Paulo, 6 mai 2024
Edição especial Praça Tito
Fortificada com 7 vitaminas e ferro
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Alerta de gatilho: lavagem de cabelos
“Um livro é um suicídio adiado”
(Emil Cioran)
“Em lituano, há um verbo ‘morrer’ exclusivo para humanos e abelhas.”
(Sam Knight)
:: A PRAÇA TITO ::
Uma atualização
Localizada em um ponto ermo da rua Cel. Joaquim Ferreira de Souza, à altura do número 221, na localidade do Mandaqui, a Praça Tito era uma área de cerca de três metros quadrados, fartamente arborizada por ervas daninhas e sarças de diferentes matizes. Nesse local havia uma cadeira carcomida de cor bege e um cartaz de papelão - da caixa de leite La Serenissima, com sete vitaminas e ferro -, que alguém fixou com fita crepe. No referido cartaz liam-se os dizeres:
“Praça Tito. Favor não estragar a mobília”.
Era isso o que sabíamos do logradouro, que sempre exalou os ares místicos de um santuário. Ninguém nunca se sentou na cadeira bege. Alguns tiravam o boné ou faziam uma reverência discreta ao passar por ali.
Seis anos mais tarde, em dezembro de 2008, enquanto apurávamos para uma coluna em O Estado de São Paulo, descobrimos que o sítio havia sido erigido em homenagem a Trípoli Amelio Bernardini, avô da leitora Cristina Bernardini. À época, ela informou que estava de mudança para a casa vizinha à do Cebola. Não tivemos mais notícias. Resolvemos seguir nossas vidas insignificantes, ainda que para sempre afetados pela contemplação do sublime.
Infelizmente hoje quase não há resquícios daquele monumento.
A Praça Tito, porém, deixou para a posteridade um ímpeto arquitetônico que só os verdadeiros vanguardistas são capazes de inspirar. Vejam esta nova praça, erigida a cerca de cem metros do ponto original por mandaquienses de natureza menos nostálgica e levemente mais boêmia:
E esta outra, onde botaram um chafariz azul:
E sim, agora temos uma réplica do Cristo Redentor em pleno coração do Mandaqui. Tudo isso em um espaço de menos de trezentos metros:
Do que se conclui que a Praça Tito estará para sempre viva em nossos corações, em nossos puxadinhos e mobílias.
Sigamos então, tu, eu e possivelmente o Eliot.
:: A QUESTÃO DO XAMPU ::
Elizabeth Wurtzel, Prozac Nation
Você sabe que desabou completamente na loucura quando a questão do xampu atingiu níveis filosóficos.
:: FAZENDO XIXI NA RUA ::
Susan Taubes, Divorcing
Como as idosas urinavam na rua em Galanta
Muitas vezes testemunhei a seguinte cena. (Em Galanta, não havia como encontrar um local para urinar, a não ser em casa.) Sempre acontecia com duas mulheres juntas; elas se encontravam e conversavam. Depois que saíam, havia uma poça no local. O chão estava seco antes. Mais tarde, quando estudei medicina, entendi que entre as mulheres idosas há a possibilidade de fazer isso sem se sujar muito. (As mulheres usavam vestidos compridos.)
:: UM PAÍS COM CROCODILOS ::
Joan Acocella sobre Graham Greene, para a New Yorker
Basicamente, sempre que uma organização precisava que alguém viajasse, com despesas pagas, para um país que tivesse crocodilos, ele se interessava.
:: ORFEU ::
José Paulo Paes, do livro “A meu esmo”, em Poesia completa
O jabuti perdeu a companheira por causa de um ovo atravessado que nem o veterinário conseguiu tirar.
Durante meses, ficou a percorrer aflito o jardim, de cá para lá, de lá para cá, procurando-a.
Nas épocas do cio, soltava, angustiado e cavo, o seu chamado de amor.
À falta de resultados concretos, acabou por finalmente desistir da busca.
Voltou a andar no passo habitual e ficar, como antes, longas horas imóvel aquentando sol.
Isso até o dia em que deixaram encostado ao muro do fundo do quintal um velho espelho.
Assim que topou com ele, estacou e se pôs a balançar a cabeça de um para outro lado no esforço de reconhecimento.
Quando julgou distinguir ali a companheira, soltou, mais angustiado e cavo do que nunca, seu chamado de amor.
Repetiu-o o dia inteiro diante do vidro impassível. Porém ela continuou para todo o sempre prisioneira do espelho.
:: EM PLENA CALÇADA ::
Um tour guiado pelos pontos de interesse do bairro
Em outro ponto do Mandaqui, registramos uma máquina de lavaso:
:: SOBRE ACORDAR EM OUTRA VIDA ::
Susan Taubes, Divorcing
Durante todos aqueles anos em Budapeste, ela pensou em acordar e esquecer. Era um pensamento estranho, poderoso e assustador. No entanto, ela refletiu, só agora era assustador. Assim que ela acordasse em outra vida, não teria medo, pois não se lembraria de ter sido outra pessoa antes.
:: CONSELHO ::
Marcus Aurelius, apud Oliver Burkeman, The Antidote
O pepino está amargo? Deixe-o de lado.
:: O CONTRÁRIO DE MIM ::
Kathryn Schulz, na New Yorker
Essas lagostas espinhosas que migram em fileiras de conga são tão boas nisso que parecem impossíveis de se desorientar, algo que só sabemos porque os cientistas se esforçaram muito para tentar fazê-lo. Como Barrie descreve em Supernavigators, pode-se cobrir os olhos de uma lagosta, metê-la em um recipiente opaco cheio de água salgada de seu ambiente nativo, forrar o recipiente com ímãs suspensos em cordas - de modo que balancem em todas as direções -, colocar o recipiente em um caminhão, pilotar o caminhão em círculos até um barco, dirigir o barco em círculos até um local distante, jogar a lagosta de volta na água e - voilà - ela irá avançar de forma confiante em direção ao lar.
:: MEUS FAVORITOS ::
Extra! Extra!
Meus 5 livros favoritos sobre depressão e outros transtornos mentais
:: DA LISTA ::
Sylvia Plath, A redoma de vidro
Eu tinha certeza de que os católicos não aceitariam nenhuma freira maluca. Certa vez, o marido da minha tia Libby contou uma anedota sobre uma freira enviada por um convento para fazer um check-up com a [médica da família] Teresa. Essa freira vivia ouvindo notas de harpa e uma voz que repetia: “Aleluia!”. Só que, ao ser questionada com mais rigor, ela não conseguia ter certeza se a voz dizia Aleluia ou Arizona. A freira tinha nascido no Arizona. Acho que ela acabou em algum hospício.
:: CHAMADA NO JORNAL ::
:: O JAGUAR, O JACARÉ E A TARTARUGA ::
Mito Mundurucu. Claude Lévi-Strauss, O cru e o cozido
Macacos convidam a tartaruga a comer frutas com eles no alto de uma árvore. Eles a ajudam a subir e vão embora, abandonando-a em cima da árvore.
Passa um jaguar, que aconselha a tartaruga a descer, com a intenção de comê-la. A tartaruga se recusa a descer, o jaguar resolve ficar à espera. [...] Finalmente, o jaguar se cansa e baixa a cabeça. Então a tartaruga se joga, e sua grossa carapaça quebra a cabeça do jaguar. “Weh, weh, weh”, exclama a tartaruga, rindo e batendo palmas. Ela come o jaguar, faz uma flauta com um de seus ossos e a toca para comemorar a vitória.
Um outro jaguar ouve a flauta, resolve vingar a companheira e ataca a tartaruga, que se refugia num buraco. Um jacaré começa uma discussão com a tartaruga acerca do brotamento dos feijões: em cipós ou em árvores. Irritado porque ela o contradiz, o jacaré tapa o buraco e volta todos os dias para provocar a tartaruga. [...]
O jacaré abre o buraco para comer a tartaruga, que considera morta. Mas ela ataca o jacaré por trás, empurra-o para dentro do buraco e tapa-o, rindo “weh, weh, weh” e batendo palmas. [...] Logo o jacaré seca e enfraquece. Sua voz se torna inaudível e se extingue; o jacaré morreu. A tartaruga ri “weh, weh, weh”, e bate palmas.
:: ELA É INCOMUM ::
A Woman Under Influence (1974, John Cassavetes)
“A Mabel não é louca, ela é incomum.”
[Mabel’s not crazy; she’s unusual]
:: ESTA SEMANA ::
Seria um novo volume da coleção Grandes Sucessos da Abril Cultural?
https://www.fosforoeditora.com.br/.../tres-camadas-de-noite/
:: ASCENÇÃO DA SRA. LALANNE ::
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ), de 5 de março de 1865, p. 4
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Agradecimentos: Arthur Tertuliano, Renato Onofri, Google Translator.
“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja – e nem queira ser – Kudno Mojesic.
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